ORDEM (1946)
Tela
Óleo
O quadro que aqui coloco chama-se “Ordem”, autoria do meu Avô José Viana em 1946, agora em exposição na Gulbenkian.
É um quadro que me tem acompanhado desde que sou criança… Não apenas por ter sido pintado pelo meu avô – artista multifacetado e consagrado – mas também porque o quadro era presença assídua nos meus livros de história e consequentemente acabaria por vezes a ser discutido em plena aula.
Na altura em que foi pintado, Portugal vivia um regime de ditadura liderado pelo primeiro Ministro Português, António Salazar.
Salazar controlava o País com mão pesada e sem espaço de manobra.
O Estado vivia impune e isente de críticas... aliás, espírito crítico era - digamos - desencorajado e alguém que ousasse proferir uma única palavra contra o regime pagaria o derradeiro preço. Artistas, jornalistas e outros eram perseguidos, ameaçados e torturados… O lápis azul reinava e a liberdade de expressão existia apenas em sigilo absoluto.
Obras – como a do meu avô – viriam a desafiar a autoridade e a dar o mote a uma corrente de pensamento que aos poucos levaria o povo Português ir para a frente com a revolução do dia 25 de Abril.
Em entrevista com o Lauro António em 1997, o meu Avô diz:
“Eu aderi ao neo-realismo e, em 1947, participo pela primeira vez numa exposição que é a Segunda Geral de Artes Plásticas, mas que é uma exposição marcadamente política. Tinha acabado a guerra, havia a esperança na democratização do regime português, pelo menos havia a esperança que houvesse possibilidades de luta, criou-se o MUD, Movimento de Unidade Democrática, do qual eu participo, e faço o meu primeiro quadro a óleo, quadro de composição, que teve honras muito grandes, que foi exposto nas Belas Artes e apreendido pela Pide. Fiquei muito contente, era muito importante ter dado um contributo, ter atirado uma pedrada no charco.”
Naturalmente, o Estado Novo apercebeu-se do poder das artes e a influência que gerava na Nação, e como tal, encarregou a PIDE de perseguir artistas e a apreender as suas obras, ao mesmo tempo que usavam plataformas como os jornais para denegrir e descredibilizar o seu trabalho e imagem.
Tal aconteceu com a “Ordem”, juntamente com outros 12 quadros.
“Pela calada da hora do almoço, quando não havia ninguém na exposição senão uma empregada, o ministro do Interior em pessoa (…) entrou pela sala dentro, na companhia de alguns amigos seus que, por natural coincidência, não eram exactamente críticos de artes mas vulgares agentes da PIDE. (…) E tanto lhe agradaram algumas das obras expostas que, sem pensar em preços ou noutras formalidades, as mandou logo levar e zelosamente arrecadar na António Maria Cardoso”, afirmou Mário Dionísio que viveu de perto esse período.
Pouco
depois da sua apreensão, o "Diário da Manhã" – órgão oficioso do Estado
Novo - antagonizaria a obra de José Viana pelas palavras do crítico de
artes plásticas, Fernando de Pamplona, na sua rubrica “Belas-Artes,
Malas-Artes”.
“É esta a miséria máxima que se exibe, num insulto à verdadeira arte, na casa da Rua Barata Salgueiro!”, Pamplona acrescentaria.
Certo e sabido, mesmo sabendo do risco que corriam, a revolução estava desencadeada e cada vez mais foram se juntando artistas e intelectuais pelo País fora, erguendo-se contra o regime.
“Primeiro quadro, (…) foi eficaz, (…) porque o que pretendia era chamar a atenção das pessoas para os problemas sociais e políticos e conseguiu”, Jose Viana partilhou em entrevista com Lauro António em 1997.
O culminar da revolução no dia 25 de Abril de 1974 ensinou-me várias lições… entre as quais: