Saturday, August 14, 2021

Duarte Mendonça 1931 - 2021


É de coração partido que partilho que o nosso querido Pai, Duarte Mendonça, faleceu na madrugada desta Sexta-feira dia 13 no Hospital de Cascais aos 90 anos de idade.

Esta partilha estará longe de ser perfeita mas já me conformei com a ideia de que, por muito tempo que passe, a procura das palavras certas nada lhe fará inteiramente justiça. Farei o meu melhor com o que consigo nesta ocasião.
 
Apesar da surpresa inicial, o Pai já se encontrava debilitado faz algum tempo, tendo a situação deteriorado com alguma velocidade no início deste ano e em particular no último mês.
 
Foi sempre num tom “um pouco dramático” que o Pai profetizava que não passava dos 90.
 
"Aproveitem que depois dos 90 já cá não estou", dizia tantas vezes.
 
Nós não ligávamos muito e pedíamos que parasse com os disparates, sobretudo porque tínhamos em conta os hábitos “rigorosamente” saudáveis que manteve toda uma vida. Não seria difícil para nós acreditar que o Pai continuaria a cá estar - pelo menos - para além dos 100…
 
Agora que me recordo dessa "profecia" e numa tentativa de dar alguma leveza ao que aqui escrevo, penso no meu Pai e, teimoso e orgulhoso como é, aposto que mesmo numa altura destas faria questão de nos dizer que tinha razão…
 
... E como ele gostava de ter razão (uma de várias coisas que herdei)!!
 
Aqueles que tiveram a sorte de conhecer o meu Pai, (e / ou tiveram tempo de ler um dos artigos publicados como aquele que deixo no meu post) sabem bem que deixa para trás um legado de uma riqueza imensurável.
 
Levou uma vida dedicada ao jazz, tendo através dessa relação servido como um dos maiores impulsionadores culturais em Portugal, tendo inclusivamente sido reconhecido e galardoado pela Câmara de Cascais e o Ministério da Cultura. 
 

Um de muitos feitos registados em várias plataformas, incluindo um livro sobre a sua carreira.
 
O Pai sempre encarou esses "milestones" (passo a referência a um dos temas mais icônicos tocados com maestria pelo Miles Davis e John Coltrane) com muito orgulho… orgulho esse que era partilhado pela família que sabia que apesar do feito, continuaria a não surtir o efeito de “missão cumprida”.
 
Essa nunca estaria, até que toda gente se tivesse convertido ao jazz - é de facto um amor como nunca vi!
 
O conhecimento enciclopédico era notório e não deixava margem para dúvidas sobre a profundidade da sua paixão.
 
Sabia os nomes de todos os músicos, nomes dos discos e faixas, até o ano de lançamento…
 
Recordo-me de o pôr à prova em várias ocasiões ao tocar umas malhas da minha playlist onde apenas de ouvido recitava a ficha técnica dos músicos envolvidos (tenho alguns destes momentos gravados).
 
Mas apesar do Jazz ser o seu grande amor, com o correr dos anos veio a acrescentar algo mais importante (diria eu) ao seu legado: a família.
 
Criou três filhos das suas duas primeiras relações, todos com as suas diferenças, mas igualmente unidos em muitas semelhanças herdadas do Pai, fosse no feitio ou nos interesses.
 
O notável no meio disto, é que apesar de ter filhos de Mães diferentes, a relação que foi fomentada entre os quatro era e será sempre muito especial. Diria que foi tanto nas diferenças, como nas ideias partilhadas que nos encontrámos e fortalecemos uma relação forte.
 
Esse foi um dos grandes sucessos do nosso Pai. Acredito piamente que este seja o maior legado que deixa para trás. Devo-lhe, entre muitas coisas, essa relação como sendo uma das melhores coisas da minha vida.
 
Enquanto Pai, tinha as suas lacunas (quem não as tem?)… apesar de não ter dúvidas que, se fosse questionado sobre isto, diria sem hesitar que não as tinha. Era perfeito e não cometia erros. A convicção era tal que até nisso o Pai conseguia ter encanto.
 
Eu dificilmente pediria melhor.
 
Foi um Pai fenomenal para com quem estarei eternamente grato por tudo o que tenho.
 
Devo-lhe muito o conforto e privilégio que tive a minha vida toda, onde não me faltou nada, desde a educação, ao desenvolvimento e exploração de outras actividades extra-curriculares, bem como o apoio o fundamental dado a minha Mãe durante tempos mais difíceis (quando nada o obrigaria a ajudar), sempre fazendo questão de estar presente nos momentos e decisões mais importantes da minha vida. 
 
Nem sempre de acordo, é certo, mas muitos foram acompanhados com sorriso na cara.
 
Lembro-me particularmente da sua resistência quando disse que queria tirar jornalismo. Como Pai preocupado, e muitas vezes exagerado, disse-me que ia ser pobre ou acabar no desemprego… ainda assim, pagou-me o curso e apoio-me na ida para Londres, onde até mesmo quando consegui o estágio na CNN, continuou a estar desconfiado… mas pouco depois, encheu-se de orgulho e adorava anunciar ao mundo que eu estava encaminhado.
 
Acredito que, em cima disso, o que lhe trazia maior felicidade era saber que nos meios onde estava integrado, as pessoas pareciam gostar de mim. Saber que tinha ganho a simpatia das pessoas e por tabela ouvir elogios que pudessem estar associados a tal, deixava-o babado.
 
Assim o foi a vida toda, quando ouvia dos meus professores, funcionários da escola, dos meus amigos e dos seus Pais.
 
Isso, confesso, deixava-me feliz.
 
Não que fosse minha intenção fazer tudo para agradar o meu Pai... mas seguramente que a sua validação contava. Sobretudo depois de uma adolescência e de anos mais difíceis, onde fui uma maior dor de cabeça. De certa forma sentia que o estava a compensar por estes períodos mais complicados e a demonstrar que todo o esforço tinha sido bem investido.
 
Felizmente, períodos complicados foram poucos - embora todos eles importantes...
 
Mas os momentos bons, esses são vários...
 
Como os concertos de jazz onde nos sentamos lado a lado.
 
Ou quando tive a oportunidade de o entrevistar num formato "vídeo caseiro" onde falamos da sua vida (ficamos tanto tempo à conversa que nunca cheguei a acabar a entrevista).
 
As férias no Algarve.
 
As caminhadas na praia.
 
Os passeios de carro pela estrada do Guincho.
 
As visitas semanais lá a casa para fazer-lhe companhia a ver o Sporting.
 
As tardes sentados na sala de música a ouvir discos.
 
Os aniversários celebrados religiosamente em Família no dia 5 de Fevereiro.
 
A luta pelas últimas fatias de Blattertorte.
 
São demasiados para partilhar… uns mais caricatos e pessoais, que certamente contarei pela minha vida fora sempre que a saudade apertar.
 
Nem umas horas passaram e já aperta... e o pior é saber que vou ter de viver com isso todos os dias...
 
Mas, por muito triste e solene que seja esta ocasião, procuro tentar arrumar todas as emoções que correm pelo meu corpo enquanto escrevo esta partilha e foco nas coisas pelas quais estou grato.
 
Grato pela vida que levei com o meu Pai por perto... esta é de caras.
 
Quem me conhece bem, basta recuar no tempo para relembrar alguma da ansiedade com que vivia com a "hipótese" de perder o meu Pai mais cedo dado a sua idade avançada. Quando nasci, o Pai já ia para lá dos 50s e até me recordo de vários colegas na escola acharem que era o meu avô.
 
Já com essa consciência, com o decorrer dos anos sempre fui tentando estar preparado para aquilo que parecia ser inevitável. Mas a verdade é que não há nada que nos possa preparar para um momento destes. Por muitos momentos difíceis que tenhamos passado e por pessoas que tenhamos perdido pelo caminho... num momento destes, recomeçamos do zero emocionalmente.
 
Mas aqui estamos nós... Eu com 36 feitos há dias e com a oportunidade de estar com ele para os celebrar, dizendo que o amava depois de trocar abraços e beijinhos, que agora quase que sabem a despedida. Consigo sentir o chão a desabar por baixo de mim e as lágrimas a inundar os meus olhos só de pensar nisso.
 
Gostava de controlar o tempo. De por “pause”, “rewind” e “repeat” um pouco a semelhança do que faríamos com os discos.
 
Sobretudo, gostava de repetir esse momento, um dos nossos últimos, vezes sem conta… mas sei que agora só o volto a repetir nas minhas memórias. Ainda assim, continua a ser algo a que me posso agarrar.
 
"Agarra-te as boas memórias, essas ficam para sempre", li e ouvi de vários amigos.
 
Não sou de acreditar em verdade absolutas, mas essa certamente será uma.
 
Outra coisa que não acredito são os temas adjacentes à religião, como por exemplo a ideia de que o céu existe.
 
Embora não acredite, tenho momentos onde penso muito sobre o assunto... e sendo uma coisa na qual acreditava, numa altura destas nada me traz mais conforto do que imaginar o meu querido Pai a ser recebido pela sua Mãe, que tão cedo perdeu e que tanta falta lhe fez durante a vida.
 
Nisto juntam-se membros da família e amigos de uma vida inteira, como a Tia Maria João ou o Riba de quem íamos falando várias vezes e que muitas saudades deixaram...
 
Tudo isto ao som do Charlie Parker, Dizzy Gillespie, Miles Davis e outros tantos que brindam a sua chegada com boa música e muitas histórias para partilhar.
 
Igualmente espero que o Pai olhe por nós que cá ficamos...
 
Pela sua mulher (que foi incansável - no bom e no mau - durante estes anos todos), os seus filhos e netos, bem como todas as ligações fortes que fez ao longo de toda uma vida.
Tenho pena o meu Pai não consiga assistir a esta enchente de amor e reconhecimento de que o seu nome tem vindo a ser alvo.
 
Desde família, amigos, conhecidos e até desconhecidos, passando pela Presidência da República, bem como vários membros da comunicação social... (Publico, Diario de Noticias, RTP, SIC...)



Mas verdade seja dita, o Pai está bem ciente daquilo que deixa para trás, fruto de uma vida plena e trabalhada à volta daquilo que mais amou. 
 
Caso para dizer que, tal e qual como o Frank Sinatra, também o Pai levou a vida à sua maneira.
 
Resta-me agora levar uma vida plena e feliz, onde o carrego em mim, não só no nome, mas em espírito também, que certamente continuará a perpetuar muito depois de eu cá estar, tal é a força do seu legado.
 
Obrigado por tudo e descanse em paz, querido Pai.
 
//
 
Não posso deixar de agradecer a todos os que já telefonaram e mandaram mensagem. Tanto eu, como o resto da nossa família, estamos gratos pela força, carinho e atenção neste momento delicado.
 
A quem quiser comparecer, o velório será na Segunda-feira a partir das 18.00h e o funeral na Terça-feira às 11:00, ambos no Centro Funerário em Alcabideche. Lá vos espero para que possamos recordar e celebrar a sua vida.

Sunday, August 01, 2021

Back at the arts scene in London

This past week was lived on the fast lane, running around from one place to another trying to keep up with a social calendar that almost seemed designed for us to fail, yet we prevailed… or at least so far.

It’s one of those classic examples of trying to eat more than we can chew. 

As soon as I was done with work, we would hit the ground running attending several exhibitions on display across some of the finest art museums in London, later grabbing what would often be a quick meal and then move on to the final event of the day. 

Of those events, three have been plays which I would like to bring up.


*ANNA X*

The first is Anna X at the Harold Pinter Theatre.

A new play by Joseph Charlton and directed by Daniel Raggett, it tells a story heavily inspired by the true life of Anna Sorokin, a woman who pretended to be a wealthy German heiress, scamming New York’s elite before she got caught and arrested.

Sorokin story, which is currently being worked as two different productions for HBO and Netflix, is re-imagined through the characters played by Emma Corrin (fresh off of playing Princess Diana in the Netflix success The Crown) and Nabhaan Rizwan, both in their West End debut.

The play did well with critics and audiences alike, but I have to say it hasn’t impressed me.

Despite enjoying the fast pace narrative, the production level on set and the convincing rotation of characters between the two actors, the combined effort failed to evoke any sort of emotions, nor any memorable moments. In fact, it's a play that I’m certain I will soon forget. 

I have felt and learnt nothing. I did, however, enjoy my time spent at the theatre, particularly as this was my return to the arts scene in London in a very long time. That experience alone, of being seated in that room surrounded by people and watching a performance, was worth the price of admission.

 

*HAMLET*




Next up was the Windsor’s Royal Theatre production of the timeless William Shakespeare tale of Hamlet, portrayed by none other than Sir Ian McKellen, who at age of 82 is revisiting a role he played 50 years ago.

The play didn’t exactly have the smoothest start, after two of its cast-members clashed during the rehearsals period, leading to both leaving the production just days before it opened to audiences.

After managing early turbulations, the play went on to receive lukewarm reviews, which I will include my own as well. 

Director Sean Mathias went for a bold approach and opted to take numerous creative risks, starting with re-imagining the tale in a way that was age, colour and gender-blind, a choice that I was personally pleased with.

Other elements, however, were maybe not as good nor as interesting…

The set is minimal and never alluding to the grandeur of the Kronborg castle which Shakespeare drew inspiration for the story’s setting…

The wardrobe selection questionable, the pacing sometimes off mark and some acting truly jarring and wooden…

Despite all of this, I would say Ian McKellen's performance alone was worth the purchase of tickets.

To witness such talent on stage is an event on its own. 

A few years ago I had the chance to see the veteran actor act alongside Sir Patrick Stewart in Harold Pinter’s play No Man’s Land and remember thinking to myself it was a chance of a life-time to see such stage and screen legends… Come to think about it, having both of them together was just an event of epic proportions. 

Up until then, I had no doubts of his acting talent, but that was surely a confirmation before my very own eyes, which just preemptively determined just how good he could be playing any role.

His Hamlet was very much in line with that.

The delivery impeccable… natural, energetic and filled with purpose.

When a scene called out for charisma, disdain, humour or pain… McKellen delivered each with ease. 

It’s more than a craft he’s worked on his entire career. It is also a gift.

That made up for anything else that was lacking and made this trip to the theatre something I will always cherish. 

 

*OLEANNA*



The third and latest play I saw was David Mamet’s Oleanna at the Arts Theatre in London.

Mamet, a Pulitzer prize winner for his 1984 play Glengarry Glen Ross - which he then adapted and directed into a movie adaption in 1992 - wrote Oleanna around the same year, eventually becoming one of his most successful plays, also adapting it into a movie a couple years later.

The play is a sheer example of theatre at its best. Nothing but amazing writing, delivered by great actors on a simple set. 

That’s all you need. But I can’t stress enough the importance of the writing skills, as it's there that lies the core of the play’s success. Fortunately enough, Mamet has proven time and time again that he’s one of the most talented writers out there.

The dialogues are sharp and poignant. The topic provocative, divisive and timely.

It shines a light on #MeToo, before #MeToo took centre stage within the entertainment industry… a subject Mamet would later revisit in his career with the 2019 play Bitter Wheat, starring John Malkovich in the central role as a “Harvey Weinstein” like character.

In Oleanna though, the setting is not the glamourised Hollywood, but rather a University campus office in the United States, where the author examines the power dynamics between a Professor a student who accuses him of sexual harassment. 

The build-up is tense and creates a certain level of inner conflict. You examine each action carefully and don’t really know which side to take. Its climax later blows up in your face, in one of the most excruciating  scenes I have witnessed on stage.

Actors Jonathan Slinger and Rosie Sheehy are superb and truly make justice to one of Mamet’s finest projects, created to stir emotions and instill debate.

Director Lucy Bailey, who did an excellent job with this West End revival, took on a slightly different approach with this rendition, hoping to balance more evenly the scale between both characters, maybe even adding a more provocative tone to it.

Speaking in an interview with British newspaper The Guardian in mid-July, Bailey addressed the effects of “cancel-culture” and how people, despite the inherent risks, should continue to have tough conversations.

“You have to keep talking. I like to feel that you can offend and be forgiven. And also that offence can provoke. I don’t mean I want to be offensive in any sense – but you can’t be afraid of that. This is what David Mamet is saying: he’s very provocative and if we get frightened of being provocative then the status quo will suddenly solidify and none of us want to be in a position where we are not able to question it.”

In conclusion, out of the three that I’ve seen, it is definitely the one I most urge you to go and watch.

It is the kind of play that is perfectly aligned with my thoughts on what makes theatre great.

The ability to tell stories, be it in the most simplistic of ways or with a full layer of creative and rich resources, that will drive you to think, question and examine yourself and those around you, while offering you perspective in shared or far removed realities.

It is a growing process, not just to escape but to live in the present moment too. It should take many forms and evoke many moods, making you wonder each time what surprises lie ahead.