Ontem desloquei-me ao bairro alto para fazer um trabalho de rádio, que consistia basicamente em efectuar uma entrevista a uma aluna Erasmus enquanto fazíamos um percurso curto por alguns dos bares e locais mais emblemáticos daquela periferia. O ponto de encontro (e também de partida para o nosso trabalho) foi na "Brasileira". Como apenas eram requisitados três membros do grupo para a entrevista (técnico, entrevistadora e entrevistada), perguntei aos meus colegas se não seria possível afastar-me um pouco da zona de trabalho para ouvir de perto um jovem que ali estava na rua de guitarra eléctrica na mão (ligado ao respectivo amplificador) a tocar umas malhas. Prestei atenção ao seu estilo, à sua eleição de temas para a noite e à forma como sentia o gemido da guitarra. Tinha um ar escanzelado, com a pele mal tratada (talvez tivesse alguma dependência de drogas) e algumas feridas. Mas estava em vivo. Suava por todos os poros do seu corpo, fruto dos movimentos compenetrados que geravam cada riff de guitarra. Ao fim de o ouvir tocar durante algum tempo, fui deixar umas moedas no seu chapéu e aproveitei para lhe perguntar se era português, ao que me respondeu: "Não! Sou Boémio, mas percebo bem o português". Começámos então uma conversa em espanhol (óptima maneira de por em prática aquilo que tenho vindo a aprender) onde trocámos impressões relativamente ao mundo da música, nomeadamente nos géneros de blues e rock, onde residem os guitarristas mais consagrados. Por entre sugestões e comentários senti que ele tinha um gosto musical apuradíssimo, com referencias em comum com as minhas. Senti de imediato uma empatia com ele. Parecia ser boa pessoa e isso notava-se logo no sorriso fácil que distribuía ou nos gestos de agradecimento para as pessoas que ali o aplaudiam. Senti que tocava primariamente pelo amor à guitarra e não tanto pelo dinheiro, embora lhe fizesse falta como é óbvio.
Achei curiosa uma frase que largou no meio da conversa e que me ficou vincada na memória.:
"Estoy aqui para compartir la música".
(Contextualizado esta citação na conversa...)
Disse-me que adorava música... que esta era a sua verdadeira paixão, e como tal, além de recreação, também a usava para tentar sobreviver. De rua em rua procurava os sítios com maior movimento para ter assim maior audiência. E tocava... tocava tocava tocava... Afirmava que a sua grande missão era partilhar boa música com outros, providenciando aos que lhe rodeiam uma educação musical e um refinamento do "ouvido". Claro que agradecia a moeda ocasional, pois sem ela seria dificil viver, mas o principio com o qual tentava puxar pela contribuição das pessoas era diferente. Como quem diz ter esperança no "dou-vos boa música, e vocês dão-me algo de volta", ao contrário de muito boa gente que se for preciso toca aleatoriamente nuns ferrinhos apenas como forma de chamar a atenção. Aqui havia de facto alguma qualidade e entrega no que estava a fazer. Infelizmente aplausos não lhe pagam casa, nem roupa ou comida... porque se assim fosse, desconfio que ele estaria bem vivendo desse sustento. Mas nota-se que ele aprecia, como qualquer bom artista, o reconhecimento que lhe é dado de uma forma mais entusiasta, que o dinheiro não é capaz de lhe conferir
.
Este episódio lembrou-me, entre várias coisas, um dos propósitos do meu blog. O poder "compartir" a minha experiência e os meus interesses/gostos com outros, na esperança que venham a adquirir novos hábitos, que venham a fazer aquisições culturais para o seu reportório pessoal, que à minha semelhança espalhem pelo mundo algumas das melhores coisas que andam por ai à procura de alguém interessado. O dar livremente... sem esquemas, sem interesses... mas sim de boa vontade com um espírito generoso e genuíno. Um processo em cadeia que se monta e que facilmente se instala no nosso quotidiano tendo por base o nosso trabalho conjunto. É bom por vezes sermos lembrados das razões pelas quais tomamos certos caminhos, e por isso, estarei sempre agradecido ao Martín.
Trocámos contactos para que possamos continuar a trocar sugestões musicais e talvez num futuro próximo lhe venha a convidar para o festival de Jazz ou outros concertos aqui na zona. Despedimos-nos com um abraço e um "Hasta Siempre".
Espero que os nossos caminhos se voltem a cruzar.
No comments:
Post a Comment